ESG não é uma linha de chegada, não é um selo ou um carimbo, mas uma jornada
“Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”. A frase, atribuída ao escritor francês Victor Hugo e já um pouco gasta por seu uso recorrente nas redes, não poderia ser mais oportuna quando falamos da grande mudança de paradigma que vem ocorrendo no mundo corporativo e no mercado de capitais.
Essa modificação, motivada por uma transformação de consciência das novas gerações em relação ao papel do trabalho em nossas vidas, ao papel das empresas no sistema capitalista e pelas mudanças climáticas inequivocamente atribuídas à ação humana, foi potencializada pela pandemia de covid-19. Tivemos, como humanidade, uma amostra de quais podem ser os efeitos de uma crise de proporções globais, como aquela que se avizinha com o aprofundamento das mudanças climáticas, para a economia e para a organização das sociedades.
Neste contexto, assistimos a uma disseminação do uso da sigla ESG pelas empresas e meios de comunicação. Embora ela seja traduzida ao pé da letra como os critérios Ambientais (Environmental), Social (Social) e de Governança (Governance) observados na gestão de uma companhia ou na tomada de uma decisão de investimento, agrada-me mais uma tradução próxima ao que, na prática, significa no dia a dia das organizações: ESG como a governança ambiental, social e corporativa de uma empresa. Como meus colegas consultores e eu costumamos dizer: “Sem o G, não temos E, nem S”.
Rompendo barreiras
Antes de mergulhar na discussão do que isso representa para as empresas, consumidores, colaboradores e investidores, deixe-me dar um passo atrás e trazer alguns dados que mostram o porquê de estarmos vivendo esse momento de transição.
Uma representação bastante didática e de fácil comunicação é a visão das fronteiras planetárias, apresentadas pela primeira vez em 2009 pelo cientista sueco Johan Rockström e um grupo de 28 cientistas de renome internacional, e recentemente representadas no documentário Rompendo barreiras: nosso planeta, disponível na plataforma de streaming Netflix.
Os autores deste estudo elencaram os nove sistemas terrestres que determinam o estado do planeta e possibilitam a manutenção da vida tal qual a conhecemos (e sim, isso inclui a vida humana). Eles afirmam que cruzar qualquer um dos limites desses sistemas pode trazer consequências deletérias ou mesmo catastróficas, servindo como gatilho para mudanças ambientais com impacto em escala planetária.
Acontece que, segundo as informações mais recentes disponíveis, nós já cruzamos a barreira de segurança para quatro destas fronteiras: perda de integridade da biosfera; os ciclos biogeoquímicos; mudanças no uso da terra e mudanças climáticas.
Se isso pode soar para nós como muito científico e distante de nossa realidade, pensemos nas catástrofes ambientais que acompanhamos pelo noticiário acontecendo por todo o planeta (ou naquelas que sentimos na pele): incêndios na Califórnia, Portugal, Canadá e no pantanal brasileiro, a seca enfrentada pelo Brasil e pelos EUA (que registrou sua estação mais seca desde 1580), as enchentes na China e Europa em 2021, e as nuvens de poeira recentes em algumas cidades brasileiras.
Contudo, apesar de todos esses sinais, ainda convivemos com esta fase de transição, na qual ainda persiste uma velha visão que enxerga as questões ambientais como mera externalidade no cálculo econômico. Só não podemos esquecer que são essas externalidades que levarão a espécie humana à extinção se não forem devidamente internalizadas e endereçadas pelas companhias.
Gerações, propósito, ESG
Por outro lado, somada a este cenário, vemos a questão do propósito das companhias se manifestando em três áreas dentro do mundo dos negócios: os investidores, com 77% da geração dos millennials (nascidos entre 1980 e 1994) considerando os fatores ESG como uma prioridade ao tomar decisões de investimento; os colaboradores, onde 83% se dizem mais leais a uma empresa que possibilita uma contribuição socioambiental positiva; e os consumidores, com 91% dos millennials declarando que trocariam um produto que consomem regularmente por outro de uma empresa dirigida por propósito.
A questão ESG tem, portanto, extrema importância para as empresas e deve ser integrada ao seu planejamento estratégico e assimilada em todos os níveis hierárquicos. ESG não é uma linha de chegada, não é um selo ou um carimbo, mas uma jornada. Uma empresa não é nem se torna ESG, mas integra a temática em todas as suas áreas, de modo que este seja um valor internalizado por todos e não somente pela área de sustentabilidade da organização.
Trabalhemos e sonhemos, inclusive, com o dia no qual as áreas de sustentabilidade não sejam mais necessárias e que as governanças ambiental, social e corporativa estejam plenamente integradas de maneira transversal por toda a companhia.
Em busca de sustentabilidade
Não raro escutamos de alguns clientes que trilhar a jornada ESG trará custos para a empresa. Esta afirmação pode até ser verdadeira, mas ignora um ponto ainda mais importante: o custo de não se fazer nada é muito maior. A mudança de mentalidade no mundo corporativo é urgente. Diferentes empresas estão em diferentes estágios de maturidade dentro dessa agenda, e não há problema algum nisso.
Precisamos, contudo, adaptar toda nossa produção atual a uma lógica que estimule o contínuo desenvolvimento da humanidade, aqui entendido como muito além do crescimento material, enquanto colabora para a manutenção de um planeta resiliente e sustentável do ponto de vista da manutenção de todas as formas de vida, sem deixar ninguém para trás.
Essa missão está em nossas mãos e, por isso, esta é uma época extraordinária para se estar vivo. A mudança já começou.
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Publicação na íntegra em: https://www.revistahsm.com.br/
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