Para a construção de um futuro corporativo mais igual e justo, a luta pela equidade de gênero e salarial é incansável, mas pesquisas mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido
"You never have to ask anyone permission to lead. I have in my career been told many times, ‘It’s not your time’, ‘It’s not your turn’. Let me just tell you, I eat ‘no’ for breakfast. So, I would recommend the same”. (Vocês nunca precisam pedir permissão a ninguém para liderar. Em minha carreira, ouvi muitas vezes: ‘Não é a sua vez’, ‘Não é o seu momento’. Deixe-me apenas dizer, eu como ‘não’ no café da manhã. Então, eu recomendaria que façam o mesmo, em tradução livre).
Essa foi a mensagem de Kamala Harris, recém-eleita vice-presidente dos Estados Unidos, uma das líderes mais poderosas do mundo, quando solicitaram um conselho seu para as mulheres. E se, para ela, a situação é essa, você pode imaginar como é a nossa!
Sou mulher, cis, hétero, parda e, a partir da minha adolescência, quando as coisas melhoraram em casa, pude estudar em escolas particulares até concluir a graduação em uma universidade pública. Tenho 30 anos e trabalho em uma empresa do setor de perfumaria e cosméticos, onde acreditamos que a beleza tem o poder de transformar o mundo ao nosso redor.
Estou me apresentando, pois, como escreveu Djamila Ribeiro em seu livro O que é lugar de fala?, “saber o lugar de onde falamos é fundamental para pensarmos as hierarquias, as questões de desigualdade, pobreza, racismo e sexismo”. Apesar de ser uma mulher vivendo no Brasil e convivendo com estatísticas tão tristes, ainda sei que, entre elas, sou bastante privilegiada, e o meu objetivo é falar sobre o desafio da liderança feminina no meio corporativo.
Batalhas vencidas, mas a guerra segue de pé
O primeiro prêmio Nobel recebido por uma mulher foi em 1903; no Brasil, ganhamos o direito ao voto em 1934 e tivemos nossa primeira presidenta em 2011. Embora devemos reconhecer algumas conquistas importantes de nossa luta pela equidade de gênero, ainda temos um longo caminho pela frente – e não é diferente no meio corporativo.
Mesmo já tendo sido comprovado que empresas com diversidade de gênero são 15% mais propensas a uma performance financeira superior, no Brasil, ainda somos apenas 29% ocupando cargos de alta liderança nas organizações, segundo o estudo Women in Business Report 2019.
No início de 2020, foi observado um pequeno avanço na representatividade das mulheres norte-americanas em cargos de liderança. De 2015 a 2020, o percentual de VPs aumentou de 23% para 28% e de C-level, de 17% para 21%. Entretanto, ainda se observa um gap em estágios mais iniciais, como na promoção de mulheres a gerentes, uma vez que, a cada 100 homens promovidos, apenas 85 mulheres também alcançam o mesmo patamar profissional.
Fonte: Representação do pipeline corporativo por gênero e raça, do estudo Women in the Workplace 2020
O desafio encontrado pelas companhias hoje é grande: ou as empresas reconhecem a importância da equidade de gênero e reinventam a forma de trabalho ou as consequências podem ser graves para as mulheres, organizações e economia como um todo.
Práticas para incentivar a equidade de gênero
Compartilho aqui algumas práticas que já vivenciei para seguirmos com a primeira (e melhor) opção:
Espaço para fala: as mulheres precisam ter espaços de confiança que as ajudem a alcançar o que almejam no ambiente profissional. Na organização em que trabalho foram criados grupos de afinidade, e o de equidade de gênero chama-se Lado a lado, ação que rendeu o movimento #mulheresinquietas. Nele, mulheres contavam suas histórias profissionais em seus perfis do LinkedIn e refletiam sobre todas as etapas em que sofreram com a síndrome do impostor. São histórias de arrepiar.
Programas de incentivo e flexibilidade: fornecer incentivos que acolham essas mulheres dentro de suas realidades é fundamental. Para uma mãe poder trabalhar, ter uma creche ou auxílio-babá na organização pode ser fator decisório, vejo a diferença que isso faz no dia a dia das minhas colegas de trabalho. Essa tendência se intensificou com o home office em 2020 e, tudo indica, irá permanecer. A flexibilidade também é primordial, de acordo com o relatório Women in the workplace – “quando os funcionários acreditam que os líderes sêniores apoiam suas necessidades de flexibilidade, é menos provável que pensem em mudar de carreira ou deixar a força de trabalho”.
Comunicação e treinamento: para mitigar os preconceitos contra os quais as mulheres lutam, é preciso se certificar de que os funcionários reconheçam esses comportamentos. Líderes e colaboradores devem falar publicamente sobre o impacto dos vieses inconscientes. Finalmente, é essencial acompanhar os resultados das promoções e aumentos por gênero para garantir que mulheres e homens sejam tratados de forma justa.
Tendo espaço para a fala, incentivos para trabalhar e conscientização de todos ao redor sobre a desigualdade de gênero nas organizações, acredito que chegaremos à tão sonhada representatividade feminina. Pesquisas indicam que ainda serão necessários dois séculos até alcançarmos a igualdade salarial, e até por isso, não desistiremos da nossa luta até que possamos comer no café da manhã menos ‘nãos’ e mais pães quentinhos.
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