Foi um caminho longo até entender qual era o meu propósito: eu queria cuidar de gente. Vivemos em um país com uma quantidade alarmante de pessoas com transtornos mentais. Precisamos cuidar das pessoas, e é sobre isso que vamos falar neste artigo
Sem dúvida, as pessoas que enxergam o seu trabalho como um meio transformador da sociedade encaram o mundo de maneira diferente, e buscam trabalhar todos os dias por um propósito maior do que o retorno financeiro daquela atividade.
Segundo uma pesquisa realizada pela PwC, 79% dos líderes afirmam que o propósito é algo central para a existência de uma organização. Desses, 34% disseram que o propósito da organização é um guia para tomar uma decisão na liderança de sua equipe. Mas então, qual é o seu propósito? E qual o meu propósito?
Valores e memórias
Certa vez, em uma roda de conversa da comunidade dos Young Leaders, nos disseram para falarmos qual era o valor relacionado ao nosso propósito como jovens líderes. Essa pergunta fez um nó na minha cabeça, pois como eu poderia escolher apenas um valor? São tantos valores importantes para a nossa vida. Valores que possuímos e que também buscamos.
À medida que as pessoas foram falando, passou um filme na minha cabeça: experiências, traumas e alegrias vividas. Tentei por meio disso identificar quais os valores por trás daquelas pessoas e das situações que lembrei. Afinal, se eu estava lembrando com tanta facilidade, quer dizer que me marcaram.
Me lembrei de tanta coisa. Momentos em que contei com o apoio de amigos e familiares quando perdi uma pessoa querida, e momentos em que um gestor ouviu as minhas dificuldades técnicas em um projeto e me respeitou.
Além dessas lembranças, refleti sobre os momentos em que não precisei falar nada, mas que alguém me perguntou se eu estava bem. Tive memórias saborosas, com pessoas oferecendo um doce, uma comida gostosa, para me alegrar (quem não fica feliz com comida?).
Lembrei também de quando vi pessoas em situações que já havia vivido, e que senti uma necessidade gigante de contar a minha versão e dizer: pode não parecer agora, mas vai ficar tudo bem. Conte comigo.
Tudo isso aconteceu em segundos, e alguns valores surgiram na minha cabeça: respeito, solidariedade, empatia, humildade. Todos esses valores, e os outros que pensei, são muito relevantes, mas nenhum, sozinho, representa o que era o mais importante para mim. Naquele contexto, surgiu a seguinte palavra na minha cabeça: cuidado.
Tudo começou a fazer sentido. Quero que as pessoas cuidem de mim, então, preciso cuidar delas também.
Segurança psicológica
O Projeto Aristóteles, realizado pela Google em 2012, buscava responder quais eram as características de um time incrível e como uma equipe é capaz de trabalha bem, entregando grandes resultados.
Existe cinco critérios mais relevantes para formar uma equipe de alta performance: segurança psicológica; confiabilidade; estrutura e clareza; significado e impacto, sendo o mais importante, a segurança psicológica. Como ter uma equipe segura psicologicamente, sem cuidar dela?
Outro ponto relevante é que no Brasil, cerca de 32% dos trabalhadores sofrem com os efeitos do estresse, segundo a International Stress Management Association (Isma-BR). Vivemos em um país com milhões de pessoas que enfrentam, todos os dias, batalhas que nunca saberemos qual seu tamanho do seu impacto psicológico. Vivemos uma sociedade doente, sem ver. E é por isso que o cuidado é o meu propósito de liderança.
Uma vez, ouvi nos corredores que uma pessoa era muito resiliente, e que trabalhava melhor sob pressão que outra pessoa. Será mesmo? Quais eram os desafios pessoais dessas duas pessoas?
Esses desafios são comparáveis entre si? O que faz um desafio ser maior que o outro? Essa pessoa estava passando por algo ruim que não sabíamos? Nenhuma dessas perguntas me parece ter uma resposta plausível.
Precisamos de uma vez por todas compreender que nossas ações como líderes podem muitas vezes ser gatilho para algo ruim. Nunca saberemos as batalhas que as pessoas estão enfrentando. Além disso, é completamente impossível comparar trajetórias de pessoas diferentes.
Precisamos de pessoas que se sintam cuidadas, e não pressionadas, de pessoas que se sintam acolhidas no ambiente de trabalho, e não julgadas. Precisamos tratar as pessoas como seres únicos e especiais, que é o que elas de fato são.
Cuidar de pessoas
Atualmente, trabalho na EloGROUP, uma consultoria de gestão daqui do Brasil, e estou envolvida em projetos de gestão da saúde pública. Sou formada em engenharia de produção, e trabalhar com saúde nunca foi um objetivo.
Por um tempo, na adolescência, quis ser médica, mas morria de medo de ser médica. Hoje, olhando para trás, acho que eu queria mesmo era cuidar de gente. Steve Jobs bem disse: “You can’t connect the dots looking forward. You can only connect them, looking backwards.” E como sou grata por poder fazer isso com o meu trabalho, mas também, com as minhas ações no dia a dia, com meus gestores, colegas e amigos.
Se um dia tentei dividir o meu principal valor, o cuidado, em outros valores, hoje vejo que separar as pessoas da minha vida em amigos, família e colegas também não dá muito certo, pois, na verdade, amo todas essas pessoas. E é isso, em suma: quero cuidar das pessoas que amo.
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