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Vitor Vannucchi Ungari

Você é parte da solução na desigualdade brasileira

Entenda a realidade do Brasil a fundo e verifique as potencialidades e sinergias que existem em seu negócio para promover impactos positivos na sociedade




Mais de 50 milhões de brasileiros estão em situação de pobreza, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desde sempre, o senso comum nos diz que o Brasil é um país desigual, mas esse número ainda me assusta. Porém, o que de fato é pobreza?


Além de pensar na parte puramente financeira, uma palavra-chave que ajuda nessa definição é acesso. Pessoas em situação de pobreza carecem de acesso a diferentes recursos, como saneamento básico, informações, tecnologia, oportunidades, condições de trabalho, saúde e educação de qualidade. E por que essas pessoas em situação de pobreza simplesmente não se esforçam mais e saem dessa situação?


Porque há um mecanismo chamado armadilha da pobreza (poverty trap), criada quando um sistema econômico requer uma certa quantidade de capital para que pessoas saiam da linha de pobreza. Contudo, o problema é que os indivíduos não têm esse capital – ou não conseguem acessá-lo –, criando um ciclo de pobreza que se reforça ao longo do tempo. Uma família pode quebrar essa armadilha, por exemplo com economias, planejamento financeiro e meios fornecidos por terceiros, de forma a conseguir emprego e capital.


A questão é que as pessoas do lado esquerdo do gráfico abaixo (zona de pobreza) normalmente possuem mais obrigações e estresse, além de menos dinheiro e tempo. Isso acarreta consequências diretas, como uma alimentação pior, o aumento do risco de doenças e mais gastos com medicamentos e médicos, o que dificulta drasticamente a saída dessa situação por meio de seus próprios esforços.



Fonte: The S-Shaped Curve and the Poverty Trap Source: Banerjee and Duflo 2011


Na prática, essas pessoas precisam de algum auxílio, como financeiro ou matéria-prima, por um intervalo de tempo para passarem ao lado direito do gráfico. Se o fizerem, tendem a ficar mais ricas e ascender. Entretanto, se o plano falhar, ficarão dependentes desse auxílio, podendo até afundar em uma espiral de pobreza.


O Brasil está na 60ª posição de 82 em um ranking de mobilidade social divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, ou seja, é extremamente difícil ascender socialmente no país, caso você não seja de uma família que já tenha dinheiro. Com isso, apresento algumas reflexões:


Quais e quantas decisões corretas foram tomadas para nós? Quanto mais pobre você for, menos você se beneficia de “decisões corretas tomadas para você” por pessoas e instituições. Um exemplo pode ser a falta de acesso a água encanada, ou seja, há pessoas que deixam de se beneficiar com o cloro e o flúor colocados no abastecimento de água, uma decisão tomada por terceiros.


Quais informações são “triviais”?


Há uma carência de informações críticas pela população pobre ou uma crença em questões não verdadeiras, como a incerteza sobre os benefícios da vacinação infantil, a baixa percepção de valor nos aprendizados durante os primeiros anos escolares ou a falta de conhecimento sobre o que políticos fazem quando exercem seus cargos.


O mercado possui interesse em você?


A falta de acesso a alguns mercados ou preços desfavoráveis é um grave desafio enfrentado por pessoas pobres. Caso tenham a sorte de possuir uma conta bancária, provavelmente obtêm uma taxa de rendimentos negativa de suas poupanças e pagam taxas exorbitantes sobre seus empréstimos – e isso sem falarmos dos produtos e serviços que não conseguem acessar.


Como o potencial de sua organização é afetado pelos 3 I’s: ideologia, ignorância e inércia?


Diversas iniciativas e políticas falham ou não têm o efeito que deveriam, pois partem de pressupostos falhos. Segundo Banerjee e Duflo, autores do livro Poor Economics, ideologia é um dos três “I” culpados pelo fracasso de boa parte das políticas de desenvolvimento, seguidos de ignorância e inércia. Um exemplo de ideologia pode ser partir da premissa “os pobres são preguiçosos”, o que acarreta ignorância por parte dos tomadores de decisão e, consequentemente, gera inércia para entregarem soluções efetivas.


Os autores criticam de forma suave economistas, políticos, ONGeiros e tantas outras pessoas que procuram a “bala de prata”, um remédio para os grandes problemas sociais do mundo. Eles adotam uma postura mais humilde ao observar, escutar, perguntar e buscar entender não só “o que”, mas “porque” algumas coisas são faladas pelas pessoas. A partir disso, fazem estudos e direcionam soluções aos problemas sociais.


Com quais expectativas e perguntas você nutre seu ambiente?


Expectativas quanto a capacidade das pessoas podem virar “profecias autorrealizáveis”. Exemplo: crianças desistindo da escola quando professores (e às vezes até seus pais) dão sinais de que elas não são inteligentes o suficiente; microempreendedores de baixa renda que não se esforçam para pagar suas dívidas, pois já é esperado que se endividem rapidamente; políticos que ninguém espera um desempenho decente não têm incentivo para tentar melhorar as condições de vida das pessoas.


Reflexões finais


Hoje trabalho na Enactus ajudando a fomentar o empreendedorismo social em diversas IES brasileiras, potencializando talentos universitários no engajamento com comunidades em situação de vulnerabilidade social. Ao sentirem a dor de quem enfrenta problemas sociais complexos e tentarem solucionar alguns destes desafios, os universitários devem se formar como líderes empreendedores, além de agregarem valor social, econômico e ambiental.


Esses jovens buscam empresas coerentes que fazem (ou farão) pessoas e planeta prosperarem. Acredite, eles não são os únicos. Cada empresa possui diferentes stakeholders e respectivas interações com eles, todos fazendo parte da mesma sociedade. Aproveite que ainda dá tempo e coloque sua organização para servir ao mundo.


Entenda como as potencialidades e sinergias que existem em seu negócio podem trazer impacto positivo. Crie ambientes de compartilhamento, trazendo pessoas de outras realidades e setores que ajudarão no entendimento de contextos, fazendo com que melhores perguntas sejam formuladas.


Pessoalmente, fico feliz ao ver as empresas mais interessadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas, ao mesmo tempo, me preocupo com a superficialidade de conhecimento e ações em relação à agenda 2030 no dia a dia.


A partir disso, desafio você a refletir sobre como está se preparando e praticando para ser parte da solução. Para ajudar, siga a tríade: cabeça, coração e mãos. A “cabeça" significa ciência, repertório, evidência; o “coração”, idealismo, propósito, causas; as “mãos”, ações. Não se deixe enganar pelas iniciativas de sua organização, pequenas mudanças podem ter grandes efeitos para ascendermos enquanto sociedade.

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